terça-feira, 5 de novembro de 2013

Mundo gay

Assumir a homossexualidade para os pais resolve todos nossos problemas?




Para sair do armário depende mais da maneira como percebemos e lidamos com o mundo e menos com a aceitação alheia propriamente.
Muitos gays assumidos a si mas não assumidos a seus grupos sociais principalmente aos pais acham que trazer à tona a realidade homossexual pode resolver todos os problemas. Outros se sentem tão assustados e temerosos com a reprovação geral e piadas que preferem viver o estado velado e contido para evitar o desconforto.
Ambas percepções são um pouco extremistas pois “resolver todos os problemas” ou “o mundo vai acabar” quando revelamos a nossa homossexualidade são sentimentos de tempo limitado e muito fruto do imaginário individual. Quando eu me assumi o mundo ficou mais colorido, me sentia flutuante, mais leve e preparado para auto-afirmar minha realidade com a liberdade de me vestir como quisesse, o corte de cabelo, os lugares e a fluidez da paquera, de poder olhar sem temer. Já um outro amigo, que assumia a homossexualidade ao mesmo tempo, sentia uma carga negativa muito grande de que se pudesse “virar a chave” preferiria ser heterossexual.
Não é hoje que um casal heterossexual vai tolerar que o filho seja também heterossexual ou homossexual. Não podemos esperar que nossos pais aceitem com a maior naturalidade possível, com algum tipo de comemoração ou com aquela referência do amigo cuja mãe expressou todo carinho, aceitação e reciprocidade com a homossexualidade do filho. Os valores têm mudado mas, a priori, a educação geral que foi herdada às famílias não coloca a ideia do filho ser gay como algo que mereça reciprocidade imediata. Fato é que muitos de nós, ainda enrustidos para pais e grupos mais próximos, nos incomodamos com as piadas, com o medo dos amigos nos colocarem naquela “caixinha gay” de hábitos e comportamentos e de termos que conviver exclusivamente com nossos semelhantes.
De qualquer forma, a dependência da reação alheia, do medo do que está por vir, será a nossa eterna desculpa até quando?
Tudo isso e mais um pouco faz parte do imaginário de quem não se assumiu para o mundo, apesar do primeiro passo é assumir a si mesmo.
Por outro lado, vejo alguns amigos idealizando o “sair o armário” para os pais como se essa atitude resolvesse todos nossos problemas. Em certa medida é verdade pois, a sensação de liberdade quando assumimos para os progenitores funciona para alguns casos. Acaba sendo um pouco indiferente se o apoio demora ou vem rápido pois a sensação do peso que carregamos nas costas é tão perturbador que vale mais a pena sentir a vida sem essa carga do que ter, propriamente, uma aprovação alheia imediata.
Mas afirmo: assim como existem resistências e temores daqueles que não percebem o “sair do armário” com bons olhos em seu imaginário, sair e achar que tudo ficará cor-de-rosa é também uma percepção de tempo limitado. Assumir geral não vai trazer um namorado, não vai ajudar a pagar as contas, não vai garantir as resoluções de problemas de relacionamento que não dizem respeito propriamente à homossexualidade, não vai ajudar a ser melhor nos estudos nem ajudar a enriquecer e garantir um futuro estável na vida!
Vamos notar que nossos esforços para o desenvolvimento dessas partes não tem uma influência direta do assumir, embora psicologicamente dê um empurrãozinho para que esses aspectos tornem-se mais fluidos; para aqueles que não aguentam mais olhar apenas pela fechadura.
Em outras palavras, muitos gays conseguem viver uma cisão entre orientação sexual e a atuação social. Se fazem “héteros” perante os grupos e contêm no íntimo a realidade com o temor das piadas, do afastamento, das rejeições e do próprio medo de achar que assumir a homossexualidade é ter que cair num pote de pó de arroz. Outros acham que liberar a homossexualidade a todos vai mudar a vida, praticamente uma metamorfose. Em partes, ambos têm razão pois normalmente as reações são percebidas como acreditamos. A palavra “normalmente” só amortiza a situação pois a vida, de fato, acontece da maneira que enxergamos: no primeiro caso, do gay que acha que vai ser um desastre assumir, ao praticar o ato vai naturalmente valorizar os gestos reativos, negativos e não vai se prender as reações positivas que possam acontecer. No segundo caso, o sentimento de liberdade acaba servindo como uma proteção para a reatividade e o gay se deixa abalar menos pela natural reação negativa mesmo estando presente.
Sabe aquele dia que você já acordou estranho e tudo de ruim que acontece parece se intensificar? E quando você acorda muito bem e acaba valorizando somente as coisas boas do seu dia? É assim que funcionamos e não tem jeito: se a gente valoriza os pontos negativos eles se acentuam e vice-versa. Como repito algumas vezes por aí: o mundo é da maneira que acreditamos. Se não somos gays felizes com a própria condição, não seremos realizados mesmo saindo do armário.
No final, queridos leitores, aqueles gays que vivem nos últimos tempos o limiar entre assumir e guardar consigo a realidade homossexual, transitam entre expectativas e percepções do próprio imaginário, tudo muito mais fruto da cabeça, das referências que nos apegamos. Tem gay enrustido que acha uma simples piada com “a bicha” um tremendo incômodo. Outros, lidam com “a bicha” que há em cada um com boa desenvoltura.
A verdade, doa a quem doer, é que somos todos bichas. Alguns bichinhas, outros bichonas e mais um punhado simplesmente bichas (e de acordo com o que cada um interpreta desses nomes). A maneira que o mundo se apresenta é muito fruto da maneira que queremos perceber. Eis um efeito Matrix, minha gente. E é aqui e agora.

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